domingo, 28 de julho de 2013

A RELAÇÃO MENTE-CORPO SEGUNDO POPPER



Karl Popper estava bem consciente do problema da relação entre o corpo e a mente. Segundo o mesmo, havia quatro tentativas de resolver o diferendo que eram elas a saber:

1ª)- Interacção corpo-mente: o mundo 2 e o mundo 1 interagem, de modo que, sempre que alguém lê um livro ou ouve uma palestra, ocorrem acontecimentos no cérebro que agem sobre o mundo 2 dos pensamentos do leitor ou do ouvinte; e reciprocamente, quando um matemático ou físico nuclear segue o raciocínio de uma prova, o mundo 2 age sobre o mundo 1. Esta é resumidamente a tese da interacção corpo-mente.

2ª)- Paralelismo corpo-mente: cada um dos processos de pensamento do mundo 2 decorre em paralelo com um acontecimento no cérebro no mundo 1.

3ª)- Fisicalismo puro ou behaviorismo filosófico: só existe um mundo, a saber, o mundo 1, a matéria no seu estado último e mais bruto. O que poderíamos classificar como a matéria em oposição à espiritualidade (oposição aqui só como imagem)

4ª)- Mentalismo ou espiritualismo puro: apenas existe o mundo 2 e o mundo 1 é uma ideia minha (nossa, de todos).

Destas quatro tentativas de explicar o problema da relação corpo-mente, Popper considerava a 1ª tentativa, a interacção corpo-mente, a única que merecia ser levada a sério. E percebe-se bem porquê, pois como as descobertas da física quântica vieram revelar, a interacção corpo-mente era a única que fazia sentido à luz das descobertas do mundo quântico. Mundo este que por sua vez tem um cunho marcadamente espiritualista.
Quanto às segunda e terceira tentativas, Popper achava que ambas constituíam típicas tentativas de resolver um problema através de uma filosofia do tipo "enfiar a cabeça na areia". O problema da relação corpo-mente desaparece na trivialidade assim que é negada a existência quer do corpo quer da mente.

A existência do mundo 3 implica principalmente argumentos que, do ponto de vista de Popper, estabelecem a existência do mundo 2 enquanto intermediário entre o mundo 3 e o mundo 1. Pode dizer-se o mesmo sobre o mentalismo puro. Sabe-se já que não existe substância material, porque a matéria tem uma estrutura altamente complexa e já em parte explicada. Sendo a substância, em filosofia, um portador não analisado de propriedades essenciais que explicam mas que nem requerem nem são passíveis de explicação. Embora a matéria não seja uma substância, as coisas materiais constituem o melhor exemplo de coisas que consideramos reais ou existentes.

Assim sendo, Popper descartava as tentativas 3 e 4. A situação era diversa para o caso da 2ª tentativa, o paralelismo corpo-mente. Segundo Popper, o paralelismo corpo-mente reconhece a existência do corpo e da mente aceitando até a existência do mundo 3. Do ponto de vista do problema corpo-mente, o principal motivo para o paralelismo é o facto de este permitir que o mundo seja considerado como sendo causalmente contido em si mesmo ou, mais precisamente, como consistindo em dois sistemas paralelos causalmente contidos em si mesmos. Isto é particularmente importante para qualquer físico, visto que a ideia que os acontecimentos físicos podem depender dos acontecimentos mentais repugna um físico. Além disso é difícil elaborar um modelo para um efeito causal desse teor, quer dizer, concebê-lo nos seus mais ínfimos pormenores. Esta tem sido a razão que tem levado as pessoas a rejeitar a interacção corpo-mente.

Mas Popper contra-argumenta de forma brilhante. Diz ele que, admite que não existem processos mentais sem que haja acontecimentos no cérebro. Para se falar de paralelismo ter-se-ia igualmente de afirmar que existe uma parte do cérebro em que não ocorrem acontecimentos físicos que não causem acontecimentos mentais paralelos.
Mas segundo o mesmo, teríamos de afirmar que existe uma relação unívoca entre todos os acontecimentos característicos no mundo 2. Mas não parece existir uma tal relação unívoca. Podemos retirar partes do cérebro que outras partes passam a exercer a sua função. A possibilidade de uma transferência de funções parece, no geral, ser característica da maior parte das criaturas vivas (e da maior parte dos fenómenos da vida). E embora Popper estivesse disposto a aceitar que não existem processos de pensamento no mundo 2 sem a existência de acontecimentos cerebrais no mundo 1, tudo lhe levava a crer que não existia paralelismo real. Tratava-se de algo semelhante à relação entre um conteúdo de pensamento no mundo 3 e a sua materialização no mundo 1.
O argumento que Popper considerava ainda mais importante em favor da interacção corpo-mente é o seguinte: Dizia ele que era preciso ter em conta o quanto o nosso ambiente físico, o mundo 1, mudou em consequência das teorias do mundo 3. O que implica uma visão em que o mundo 1 não está causalmente isolado do mundo 2 e 3. Todavia, a tentativa de preservar a autocontenção causal do mundo 1 é, logicamente falando, a principal razão pela qual a primeira e mais antiga tentativa de solução, a interacção corpo-mente, é substituída pelo paralelismo (ou mesmo pelo behaviorismo). Esta tentativa parecia totalmente irrealista a Popper. A ideologia da autocontenção causal do mundo físico tem as suas raízes numa época em que a mecânica constituía o todo da física. Esta teoria já foi refutada pela necessidade de se acrescentar uma teoria do electromagnetismo.
O facto de as teorias, que pertencem ao mundo 3, terem um efeito sobre o mundo 1 através do mundo 2 é um argumento contra a tese da autocontenção causal do mundo 1. Sendo assim, não resta qualquer objecção contra a teoria da interacção corpo-mente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário