William Lane Craig
Em 1896, o presidente da Universidade
Cornell, Andrew Dickson White, publicou um livro com o título A History of the Warfare of Science with Theology in Christedom [História
da batalha da ciência com a teologia na cristandade]. Pela influência de White,
a metáfora da “batalha” para descrever as relações entre a ciência e a fé
cristã espalhou-se generalizadamente durante a primeira metade do século XX. Do
ponto de vista cultural, a visão dominante no Ocidente — mesmo entre os
cristãos — passou a ser que ciência e religião não estão aliadas na busca pela verdade, antes são
adversárias.
Para dar um exemplo, alguns anos atrás debati com um filósofo da ciência
na Universidade Simon Fraser, em Vancouver, Canadá, a respeito da pergunta:
“Ciência e religião não são mutuamente afins?”. Ao caminhar pelo campus, vi que
os estudantes que promoviam o debate tinham-no divulgado com grandes faixas e
cartazes proclamando: “Ciência versus cristianismo”. Eles estavam perpetuando o
mesmo tipo de mentalidade de guerra que Andrew Dickson White proclamou mais de
cem anos atrás.
Mas o que aconteceu na segunda metade
deste século é que historiadores e filósofos da ciência chegaram à compreensão
de que a suposta história de guerra é um mito. Como Thaxton e Pearcey
demonstram em seu livro recente, The Soul of Science [A
alma da ciência], por mais de 300 anos, entre a ascensão da ciência moderna no
século XVI até o final do século XIX, o relacionamento entre ciência e religião
pode ser mais bem descrito como o de aliança. Até o final
do século XIX, os cientistas eram tipicamente cristãos que não viam nenhum
conflito entre a ciência e a fé deles — pessoas como Kepler, Boyle, Maxwell,
Faraday, Kelvin e outros. A ideia de batalha entre a ciência e a religião é
invenção relativamente recente do final do século XIX, alimentada zelosamente
pelos pensadores seculares que almejavam solapar o domínio cultural do
cristianismo no Ocidente e substituí-lo pelo naturalismo — a visão de que nada
fora da natureza é real e de que a única maneira de descobrir a verdade é por
meio da ciência. Eles foram muito bem-sucedidos em fazer prevalecer a sua
agenda. Mas os filósofos da ciência, durante a segunda metade do século XX,
compreenderam que a ideia de uma guerra entre ciência e teologia é flagrante
banalização. O livro de White é considerado agora algo como uma piada mal
contada, uma peça de propaganda unilateral e distorcida.
Agora, algumas pessoas reconhecem que
ciência e religião não devem ser consideradas como inimigas, mas, apesar disso,
também não entendem que devem ser consideradas como amigas. Elas afirmam que
ciência e religião não são mutuamente afins, que representam dois domínios que
não se sobrepõem. Às vezes ouvem-se slogans como: “Ciência lida com fatos;
religião, com fé”. Mas isso é caricatura grotesca tanto da ciência como da
religião. Ao sondar o universo, a ciência encontra problemas e questões de
caráter filosófico que, por isso, não podem ser resolvidos cientificamente, mas
podem ser iluminados por uma perspectiva teológica. Pelo mesmo critério, é
simplesmente falso que a religião não faz afirmações factuais a respeito do
mundo. As religiões do mundo apresentam alegações variadas e conflitantes sobre
a origem e a natureza do universo e da humanidade, e não é possível que todas sejam verdadeiras. Ciência e religião,
portanto, são como dois círculos que se cruzam ou se sobrepõem parcialmente; é
numa área de intersecção que o diálogo acontece.
Além disso, desde o último quarto de
século está em curso um florescente diálogo entre ciência e religião nos
Estados Unidos e na Europa. Em discurso em uma conferência sobre a história e
filosofia da termodinâmica, o notável físico britânico P. T. Landsberg passou a
explorar de repente as implicações teológicas da
teoria da ciência acerca da qual ele discutia e comentou que
Falar das implicações da ciência para a teologia numa reunião científica
parece quebrar um tabu. Mas os que pensam assim estão desatualizados. Esse tabu
foi removido ao longo dos últimos 15 anos e, ao falar sobre a interação entre
ciência e teologia, estou, na verdade, indo com a maré.
Surgiram inúmeras sociedades para a
promoção desse diálogo, como European Society for the Study of Science and
Theology [Sociedade europeia para o estudo de ciência e teologia], Science and
Religion Forum [Fórum sobre ciência e religião], Berkeley Center for Theology
and Natural Science [Centro para teologia e ciência natural de Berkeley], e
outros. De especial significado são as conferências atualmente patrocinadas
pelo Centro de Berkeley e o Observatório do Vaticano, em que cientistas
eminentes, como Stephen Hawking e Paul Davies, exploram as implicações da
ciência para a teologia com notáveis teólogos como John Polkinghorne e Wolfhart
Pannenberg. Não há apenas periódicos profissionais dedicados ao diálogo entre
ciência e religião, como Zygon e Perspectives on Science and Christian Faith [Perspectivas
sobre ciência e fé cristã], mas, mais significativamente, há periódicos
seculares, como Nature e British Journal for the Philosophy of Science [Revista
britânica de filosofia da ciência], que publicam artigos sobre as implicações
mútuas da ciência e da teologia. A Fundação Templeton concede seu prêmio de um
milhão de dólares em ciência e religião a notáveis pensadores integrativos,
como Paul Davies, John Polkinghorne e George Ellis por seus trabalhos em
ciência e religião. O diálogo entre ciência e teologia tornou-se tão
significativo em nossos dias que tanto a Universidade de Cambridge como a
Universidade de Oxford instituíram cátedras em ciência e teologia.
Partilho tudo isso para ilustrar uma questão. Os camaradas que acham que
ciência e religião nada têm uma com a outra precisam entender que o gato já
escapou do saco, e suponho que há pouquíssimas possibilidades de enfiá-lo de
novo lá. Ciência e religião descobriram que têm interesses mútuos importantes e
contribuições relevantes para fazer um ao outro, e quem não gosta disso pode
optar por não tomar parte no diálogo; isso não o encerrará nem revelará que não
tenha sentido.
Portanto, vamos explorar juntos as maneiras pelas quais ciência e
religião servem como aliadas na busca pela verdade. Permitam-me considerar seis
modos como ciência e religião são relevantes uma para outra, começando da mais
geral para a mais particular.
1. A religião fornece a estrutura
conceitual em que a ciência pode florescer. A ciência não é algo
natural à humanidade. Como salientou o escritor de ciência Loren Eiseley, a
ciência é “uma instituição cultural inventada” que exige
um “solo singular” para florescer.Embora
lampejos de ciência tenham aparecido entre os antigos gregos e chineses, a
ciência moderna é filha da civilização europeia. Por que é assim? Isso se deve
à exclusiva contribuição da fé cristã à cultura ocidental. Pois, como declara
Eiseley, “é o mundo cristão que deu finalmente à luz de maneira clara e
articulada o método experimental da própria ciência”.Em
contraste com as religiões panteístas e animistas, o cristianismo não via o
mundo como divino nem habitado por espíritos, mas, ao contrário, como produto
natural de um Criador transcendente que o projetou e trouxe à existência.
Assim, o mundo é um lugar racional, aberto à exploração e descoberta.
Além disso, a totalidade do
empreendimento científico fundamenta-se em certos pressupostos que não podem
ser provados cientificamente, mas são assegurados
pela cosmovisão cristã; por exemplo: as leis da lógica, a natureza ordenada do
mundo exterior, a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas em conhecer o
mundo e a objetividade dos valores morais usados na ciência. Quero salientar
que a ciência sequer poderia existir sem esses pressupostos; todavia, não podem
ser provados cientificamente. São pressupostos científicos que, curiosamente,
são parte integrante da cosmovisão cristã. Assim, a religião é relevante para a
ciência por poder fornecer uma estrutura conceitual na qual a ciência pode
existir. Mais do que isso, a religião cristã historicamente forneceu de fato o arcabouço conceitual no qual a ciência
moderna nasceu e foi nutrida.
2. A ciência é capaz tanto de
contestar como de confirmar as afirmações da religião. Quando as
religiões fazem alegações a respeito do mundo natural, elas cruzam o domínio da
ciência e estão efetivamente fazendo predições que a investigação científica
tanto pode confirmar quanto pode contestar. Deixem-me apresentar alguns
exemplos de cada caso.
Primeiro, exemplos de refutação. Alguns exemplos são óbvios. As visões
das antigas religiões grega e indiana segundo as quais o céu repousava nos
ombros de Atlas ou o que mundo se firmava nas costas de uma imensa tartaruga
foram facilmente desmentidas. Mas há também exemplos mais sutis.
Um dos casos mais notáveis foi a condenação de Galileu pela igreja
medieval, em razão de ele afirmar que a Terra girava em torno do sol e não o
sol em torno da Terra. Com base na interpretação equivocada de certas passagens
bíblicas, como Salmos 93.1: “O mundo está firme, não será abalado”, os teólogos
medievais negavam que a Terra se movesse. A prova científica finalmente
contestou essa hipótese, e a igreja final e tardiamente veio a admitir seu
erro.
Outro exemplo interessante em que a
ciência refuta uma perspectiva religiosa é a afirmação de várias religiões
orientais, como o taoísmo e certas formas de hinduísmo, de que o mundo é divino
e, portanto, eterno. No presente século, a descoberta da expansão do universo
releva que, longe de ser eterna, toda matéria e energia, e até mesmo o próprio
espaço físico e o tempo, vieram a existir em determinado ponto do passado
finito antes do qual nada existia. Como afirma Stephen Hawking no seu livro de
1996, The Nature of Space and Time [A natureza do espaço
e do tempo], “quase todos acreditam agora que o universo, e o próprio tempo,
teve começo no big bang”. Mas,
se o universo veio à existência no big bang, então é
temporalmente finito e contingente na sua existência e, portanto, não é eterno
nem divino, como afirmavam as religiões panteístas.
Por outro lado, a ciência pode também
confirmar as afirmações religiosas. Por exemplo, uma das principais doutrinas
da fé judaico-cristã é que Deus criou o universo do nada num tempo finito do
passado. A Bíblia começa com as palavras: “No princípio, Deus criou os céus e a
terra” (Gn 1.1). A Bíblia, portanto, ensina que o universo teve um começo. Esse
ensinamento foi repudiado tanto pela filosofia grega como pelo ateísmo moderno,
inclusive pelo materialismo dialético. Assim, em 1929, com a descoberta da expansão
do universo, essa doutrina foi radicalmente confirmada. Ao falarem sobre o
começo do universo, os físicos John Barrow e Frank Tipler explicam: “Nessa
singularidade, espaço e tempo vieram à existência; literalmente, nada existia
antes da singularidade, assim, se o universo se originou em tal singularidade,
poderíamos ter verdadeiramente uma criação ex nihilo (do
nada)”. Contrariamente
a toda expectativa, a ciência, portanto, confirmou essa predição religiosa.
Robert Jastrow, diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da NASA, a
vislumbra da seguinte maneira:
[O cientista] escalou as montanhas da
ignorância; está para conquistar o cume mais alto; ao galgar por sobre a última
rocha, é recebido por um bando de teólogos que estão sentados lá em cima há
séculos.
Uma segunda confirmação científica da
fé religiosa é a afirmação das grandes religiões monoteístas de que o mundo é
fruto de um projeto inteligente. Os cientistas pensavam originalmente que, a
despeito de quais tenham sido as condições iniciais do universo, ele finalmente
evoluiria nas formas de vida complexas que vemos hoje. Mas, durante os últimos
40 anos ou mais, os cientistas têm ficado aturdidos pela descoberta de quão
complexo e minucioso tem de ser o equilíbrio das condições iniciais dadas no big bang para permitir a origem e a evolução da
vida inteligente no cosmos. Nos diferentes campos da física e astrofísica,
cosmologia clássica, mecânica quântica e bioquímica, as descobertas têm
repetidamente revelado que a existência de vida inteligente depende do equilíbrio
delicado de constantes e grandezas físicas. Se qualquer uma delas fosse
levemente alterada, o equilíbrio seria destruído e não existiria vida. De fato,
desde o instante do seu começo, o universo parece ter sido incompreensivelmente
ajustado com precisão absoluta para a produção de vida inteligente. Sabemos
agora que universos desfavoráveis à
vida são muitíssimo mais prováveis do que qualquer universo favorável à vida, como o nosso. Quão mais
prováveis?
A resposta é que as possibilidades para
o universo ser favorável à vida são tão infinitesimais quanto incompreensíveis
e incalculáveis. Por exemplo, Stephen Hawking estimou que, se a velocidade de
expansão do universo um segundo após o big bang tivesse
sido menor do que uma parte em cem mil trilhões, o universo teria reimplodido
numa bola de fogo. P.
C. W. Davies calculou que as probabilidades contrárias às condições iniciais
serem apropriadas à formação estelar posterior (sem a qual os planetas não
poderiam existir) são, pelo menos, de dez mil quintilhões (ou o número um
seguido de 22 zeros). Ele
também estima que uma mudança na força de gravidade ou o enfraquecimento de
apenas uma parte em 10100 teria impedido a existência de um universo favorável
à vida. Está
presente no big bang uma grande variedade
de constantes e valores dessa ordem que têm de ser ajustados precisamente assim
para que o universo permita a existência de vida. Portanto, improbabilidade é
multiplicada por improbabilidade até que nossa mente fique confusa em meio a
números incompreensíveis.
Não há razão física pela qual essas
constantes e grandezas possuam os valores que possuem. O físico ex-agnóstico
Paul Davies comenta: “Ao longo do meu labor científico, passei a acreditar com
convicção cada vez maior que o universo físico está agregado com engenhosidade
tão extraordinária que não consegui aceitá-la meramente como fato bruto”. Semelhantemente,
Fred Hoyle observa: “A interpretação dos fatos pelo senso comum sugere que um
superintelecto tem feito traquinices com a física”.
A nossa descoberta do ajuste fino do big bang favorável à vida inteligente é como a de
alguém se arrastando penosamente através do Deserto de Gobi e que, ao contornar
uma duna de areia, dá de cara com um arranha-céu do tamanho do Empire State
Building. Descartaríamos acertadamente como loucura a sugestão de que ele se
erguera ali por acaso. E consideraríamos igualmente insana a ideia de que
qualquer combinação de partículas de areia nesse lugar é improvável e,
portanto, não há nada para ser explicado.
Por que isso? Porque o arranha-céu
manifesta uma complexidade que não está presente nas combinações aleatórias de
areia. Mas por que a complexidade do edifício nos impacta como especial? John
Leslie afirma que é porque há uma explicação evidente para essa construção
complexa, não sugerida por uma mera combinação aleatória de grãos de areia, ou
seja, o projeto inteligente. Da
mesma maneira, conclui Leslie, o ajuste fino e preciso das condições iniciais
do universo favorável à vida aponta a explicação notável do projeto
inteligente.
Assim, a ciência tanto pode contestar como confirmar as reivindicações
da religião.
3. A ciência encontra problemas
metafísicos que a religião pode ajudar a resolver. A ciência tem uma
sede insaciável pela explicação. Mas, no final, ela esgota o limite de sua
capacidade explanatória. Por exemplo, ao explicar por que existem várias coisas
no universo, a ciência defronta-se numa última análise com a questão da
existência do próprio universo. Note-se que é indispensável que seja uma
indagação a respeito da existência temporal do universo. Mesmo que o
espaço-tempo não tenha começo nem fim, ainda assim podemos questionar por que
ele existe. O físico David Park pondera: “Quanto à razão por que existe o
espaço-tempo, isso se evidencia como uma pergunta científica perfeitamente boa,
mas ninguém sabe como respondê-la”.
Nesse ponto, a teologia pode ajudar. Os teístas tradicionais entendem
Deus como um ser cuja inexistência é impossível e que é o Criador do mundo
contingente de espaço e tempo. Portanto, quem acredita em Deus dispõe dos
recursos para matar a sede da ciência pela explicação definitiva. Podemos
apresentar esse arrazoado na forma de um argumento simples:
1. Tudo que existe tem uma explicação para a sua existência (tanto pela
necessidade da sua própria natureza quanto por causas externas).
2. Se o universo tem uma explicação para a sua existência, essa explicação é Deus.
3. O universo existe.
4. Logo, a explicação para a existência do universo é Deus.
2. Se o universo tem uma explicação para a sua existência, essa explicação é Deus.
3. O universo existe.
4. Logo, a explicação para a existência do universo é Deus.
4. A religião pode ajudar a
decidir entre teorias científicas. Lawrence Sklar, notável filósofo
da ciência, destaca que “a adoção de uma teoria científica em lugar de outra,
às vezes em casos realmente cruciais, fundamenta-se principalmente tanto em
[...] pressupostos filosóficos como em dados concretos [...]”. De
maneira especial nos casos em que duas teorias conflitantes são empiricamente
equivalentes, de sorte que não é possível escolher entre elas com base nas
evidências, os interesses metafísicos, inclusive os interesses religiosos,
entram em jogo.
Um exemplo excelente é a teoria
especial da relatividade. Há duas maneiras de interpretar o núcleo matemático
da relatividade especial. Segundo a interpretação de Einstein, não existe um
“agora” absoluto no mundo; antes, o agora é relativo a diferentes observadores
em movimento. Se eu e você estamos nos movendo em relação um ao outro, então, o
que é agora para mim não é agora para você. Mas, de acordo com a interpretação
de H. A. Lorentz, existe um agora absoluto no
mundo, mas só não podemos ter certeza de quaiseventos no
mundo estão ocorrendo agora, porque o movimento afeta nossos instrumentos de
medição. Relógios em movimento funcionam devagar e os instrumentos de medição
se contraem quando em movimento. As interpretações einsteinianas e lorentzianas
são empiricamente equivalentes; não seria possível realizar nenhuma experiência
para decidir entre elas. Mas
quero afirmar que, se Deus existe, Lorentz estava certo. Eis minha
argumentação:
1. Se Deus existe, então Deus está no tempo.
Isso é verdadeiro porque Deus está realmente relacionado ao mundo como a
causa para o efeito. Mas a causa de um efeito temporal deve existir antes ou ao
mesmo tempo em que seu efeito. Portanto, Deus tem de estar no tempo.
2. Se Deus está no tempo, então existe um observador privilegiado.
Uma vez que Deus transcende o mundo e é a causa da existência de tudo no
mundo, a sua perspectiva acerca do mundo é a verdadeira.
3. Se existe um observador privilegiado, então existe um agora absoluto.
Visto que Deus é um observador privilegiado, o seu “agora” é
privilegiado. Assim, existe um agora absoluto, exatamente como alegava Lorentz.
Essa é de fato uma conclusão espantosa. Mas estou firmemente convencido
de que, se Deus existe, então a teoria da relatividade lorentziana está certa,
e não a einsteiniana. É difícil de imaginar de que maneira a religião poderia
ter alguma relevância maior do que essa para a ciência, para mostrar que uma
teoria está errada e a outra, certa.
5. A religião pode ampliar a
capacidade explanatória da ciência. Um dos pilares da visão
científica contemporânea do mundo é a evolução da complexidade biológica a
partir de formas de vidas mais primitivas. Desastrosamente, a síntese
neodarwinista atual parece apresentar explicação deficiente para esclarecer o
surgimento gradual da complexidade biológica. Em primeiro lugar, os mecanismos
neodarwinistas de mutação aleatória e seleção natural funcionam demasiadamente
devagar para produzir, sem ajuda, vida senciente. Em seu princípio cosmológico antrópico, Barrow e Tipler listam
dez fases na evolução do Homo sapiens,
incluindo estágios como o código genético baseado no DNA, a origem da
mitocôndria, a origem da fotossíntese, o desenvolvimento da respiração
aeróbica, e assim por diante, cada um deles tão improvável que, antes que
tivessem ocorrido, o sol teria deixado de ser uma estrela de sequência
principal e incinerado a terra. Eles
relatam que, “entre os evolucionistas, desenvolveu-se o consenso geral de que a
evolução da vida inteligente, comparável em capacidade de processamento de
informação à do Homo sapiens, é tão improvável que
parece não ser possível de ter ocorrido em nenhum planeta de todo o universo
visível”. Mas,
se assim for, não se pode deixar de imaginar por que, sem um compromisso com o
naturalismo, deveríamos pensar que ela se desenvolveu por acaso, sem auxílio,
neste planeta? Em segundo lugar, a mutação aleatória e seleção natural não
conseguem explicar a origem de sistemas complexos irredutíveis. Em seu recente
livroDarwin’s Black Box [A caixa preta de Darwin], o
microbiologista Michael Behe explica que certos sistemas celulares, como os
cílios das células ou o sistema de transporte de proteínas, são como máquinas
microscópicas incrivelmente complicadas que só funcionam se todas as partes
estiverem presentes e em operação. Dentro
da síntese neodarwinista não há o entendimento de como esses sistemas complexos
irredutíveis sejam capazes de evoluir por mutação aleatória e seleção natural.
Quanto a eles, a teoria evolucionária atual tem capacidade explanatória nula.
De acordo com Behe, porém, há uma explicação familiar adequada responsável pela
complexidade irredutível, uma que, em outros contextos, empregamos sem a menor
hesitação: projeto inteligente. “A vida na Terra, em seu nível mais
fundamental, em seus componentes mais básicos”, conclui ele, “é produto de
atividade inteligente”. A
evolução gradual da complexidade biológica é mais bem explicada se houver uma
causa inteligente por trás do processo, em vez de somente mecanismos cegos
isolados. Assim, o teísta dispõe de recursos explanatórios que faltam ao
naturalista.
6. A ciência pode estabelecer uma
premissa num argumento que tenha conclusão com importância religiosa.
O teólogo medieval Tomás de Aquino pressupunha sempre a eternidade do universo
em todas as suas discussões a favor da existência de Deus, visto que assumir a
existência inicial do universo facilitava demais as coisas para o teísta. “Se o
mundo e o movimento tiveram um começo”, disse ele, “alguma causa tem de ser
claramente postulada para essa origem do mundo e do movimento” (Summa contra gentiles 1.13.30). Além disso, simplesmente
não havia nenhum modo empírico de provar a finitude passada do universo durante
a Idade Média. Mas a aplicação da teoria geral da relatividade à cosmologia e a
descoberta da expansão do universo no presente século parecem ter deixado cair
no colo do teólogo filosófico exatamente a premissa que faltava a um argumento
vitorioso a favor da existência de Deus. Agora, portanto, ele pode argumentar
da seguinte maneira:
1. Tudo que começa a existir tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Logo, o universo tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Logo, o universo tem uma causa.
A premissa (2) é uma declaração neutra
do ponto de vista religioso e pode ser encontrada em quase qualquer texto sobre
astronomia e astrofísica. Todavia, ele coloca o ateu numa situação
desconfortável. Porque, assim como insta Anthony Kenny da Universidade de
Oxford, “o proponente da teoria do big bang, ao menos
se for ateu, tem de acreditar que [...] o universo veio do nada e sem nenhuma
razão”.
Mas, certamente, isso é impossível na perspectiva metafísica. Do nada,
nada surge. Então, por que o universo existe em vez de exatamente nada? É
plausível que deve ter havido uma causa que trouxe o universo à existência. Ora,
pela própria natureza do caso, como a causa do espaço e do tempo, essa causa
tem de ser um ser incausado, imutável, atemporal e imaterial com poder
inimaginável, o qual criou o universo. Além disso, eu afirmaria, ele deve ser
também pessoal. Por que outra razão uma causa atemporal faria surgir um efeito
temporal como o universo? Se a causa fosse um conjunto de condições suficientes
e necessárias, então a causa jamais poderia existir sem o efeito. Se a causa
fosse eternamente presente, então o efeito também seria eternamente presente. A
única maneira para que a causa seja atemporal e o efeito comece no tempo é a
causa ser um agente pessoal que decide livremente criar um efeito no tempo sem
qualquer condição determinante anterior. Assim, somos levados não meramente à
causa transcendente do universo, mas ao seu criador pessoal.
Tudo isso não é para formular um juízo simplista e ingênuo, como “A
ciência prova que Deus existe”, mas significa afirmar que a ciência pode
estabelecer a verdade de uma premissa num argumento que tenha conclusão com
importância religiosa.
Resumindo, vimos seis modos diferentes pelos quais ciência e religião
são mutuamente relevantes:
1. A religião fornece a estrutura conceitual em que a ciência pode
florescer.
2. A ciência é capaz tanto de contestar como de confirmar as afirmações da religião.
3. A ciência encontra problemas metafísicos que a religião pode ajudar a resolver.
4. A religião pode ajudar a decidir entre teorias científicas.
5. A religião pode ampliar a capacidade explanatória da ciência.
6. A ciência pode estabelecer uma premissa num argumento que tenha conclusão com importância religiosa.
2. A ciência é capaz tanto de contestar como de confirmar as afirmações da religião.
3. A ciência encontra problemas metafísicos que a religião pode ajudar a resolver.
4. A religião pode ajudar a decidir entre teorias científicas.
5. A religião pode ampliar a capacidade explanatória da ciência.
6. A ciência pode estabelecer uma premissa num argumento que tenha conclusão com importância religiosa.
Portanto, em conclusão, vimos que não se deve considerar ciência e
religião como inimigos ou mutuamente irrelevantes. Antes, ao contrário, vimos
várias maneiras pelas quais elas podem interagir frutiferamente. Afinal, é por
isso que está hoje em curso um florescente diálogo entre essas duas
disciplinas.
Originalmente publicado como: “What is the Relation between Science and Religion?”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/what-is-the-relation-between-science-and-religion.
Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Djair Dias Filho.
Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Djair Dias Filho.