domingo, 22 de março de 2015

Felicidade em Blaise Pascal


Para o filósofo Blaise Pascal, há uma indagação primeira para a qual o ser humano sempre tentou encontrar uma resposta, qual seja: por que as pessoas parecem incapazes de buscar a felicidade? Nesse sentido, há de se também indagar: por que os homens procuram a pura agitação e o mero divertimento como forma de se obter a máxima felicidade? E o contrário disso procede? O homem em completo equilíbrio e em total estado de repouso – longe de tumultos e de agitações – é quem estaria, de fato, apto a alcançar a tão sonhada felicidade? Como se vê, existem várias abordagens para o mesmo tema. Portanto, para o referido autor, muito se pensou a respeito desse assunto; muito se especulou acerca de qual seria a causa de todas as nossas infelicidades.
Com efeito, e ainda de acordo com Pascal, é de se registrar que a infelicidade humana provém de uma só causa: o fato de o homem não suportar ter que pensar a sua infeliz condição, de ter que se debruçar sobre a sua vida tediosa, opaca e sem brilho. Razão pela qual os homens atribuem às coisas externas, “ou na lebre que se persegue”, os reais objetivos com os quais se busca a felicidade. Mas essa felicidade é passageira, uma vez que a posse e a conquista de uma determinada coisa (seja um bem ou um objeto específico, bem como a realização de algum projeto no âmbito pessoal ou profissional) não garantem a efetiva felicidade por parte do indivíduo. Pelo contrário, renova-se o anseio de se conquistarem mais coisas e de se projetarem novas possibilidades de satisfação.
Sendo assim, conforme assinala o próprio Pascal, “o homem (...) estando cheio de mil causas essenciais de tédio, a menor coisa, como um taco e uma bola que ele empurra, basta para diverti-lo”. Desse modo, a aspiração do indivíduo é pela caça e não pela presa, sendo a felicidade (momentânea) fruto da diversão; de tudo aquilo que desvia a atenção do ser humano das questões que dizem respeito à sua verdadeira natureza, encarada sob o ponto de vista da precariedade e do total abandono.
Por outro lado, muitos filósofos acreditam que a felicidade só pode ser alcançada no mais completo estado de repouso, longe das agitações e das incertezas cotidianas. Que a busca da felicidade pela via da cupidez e do puro divertimento é algo considerado absurdo e não condiz com o sentido último do ser humano, que é de conhecer a si mesmo. Assim, a felicidade estaria nessa nossa procura pela introspecção e na forma que o ser humano tem de pensar e encarar a sua própria inserção no mundo, guiando-se exclusivamente pela prudência e pela vida virtuosa, condição esta considerada essencial para se atingir a completa felicidade. No entanto, Pascal não acredita nesse argumento, por achá-lo demasiadamente reducionista, tendo ele observado que “(...) mesmo quando nos consideramos bastante seguros por todos os lados, o tédio, com sua autoridade privada, não deixaria de sair do fundo do coração, onde tem raízes naturais, e de nos encher o espírito de seu veneno”.
No fundo, para o filósofo Pascal, as duas posições estão certas e erradas. Para ele, somos movidos por dois instintos contrários e secretos: um que nos leva à posse de determinadas coisas, como se isto nos garantisse a verdadeira felicidade, apesar de buscarmos o puro divertimento; e o outro instinto que nos faz procurar incessantemente por algo a mais, algo que nos conforte e que só pode ser encontrado no mais absoluto repouso – a esse objeto tão procurado e desejado pelo ser humano, a ele damos o nome de Deus, embora esse mesmo Deus seja algo considerado pelo filósofo como inalcançável, pelo menos nesse plano (terreno) de existência.
Nessa perspectiva, somos por um lado miséria e sofreguidão, tendo que nos preocupar e nos entreter com objetos externos como razão de ser de nossa suposta felicidade, apelando ao divertimento como estratégia de fuga/desvio perante essa vida frágil e precária. Por outro lado, só Deus é esse objeto que nos acalanta e que pode, de fato, nos proporcionar a verdadeira felicidade.
Enfim, no dizer desse filósofo, somos seres divididos e incompletos, marcados pela dualidade e pela contradição, no que diz respeito à nossa incessante busca pela felicidade, que ora se baseia em Deus (inacessível e inatingível), ora na mais simples e pura diversão. Estranhas criaturas condenadas a viver o seu triste destino, já que “acreditam buscar sinceramente o repouso, mas não buscam de fato senão a agitação”.
*Pedagogo, graduando em Filosofia pela UFMG e técnico em Assuntos Educacionais da Prograd.
FONTEhttps://www.ufmg.br/boletim/bol1805/2.shtml

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